Descrição
Livro em Pré-venda até 05 de Fevereiro
Previsão de saída: A partir de 21 de Fevereiro
Você viu meu celular?
Título original: Você viu meu celular?
Autora: Gabriele Gomes
Gênero: Romance
Páginas: 152
Formato: 14 X 21 cm
Acabamento: Brochura com orelha
ISBN: 978-65-84634-28-2
VOCÊ VIU MEU CELULAR?
Essa nem é bem uma pergunta, mas um bordão, um estribilho, um negócio para marcar o tempo, para abrir capítulos, se capítulos houvesse. A pergunta é retórica, até porque se dirige a alguém que não responde ou que talvez não exista.
Este livro, aliás, se trata de uma única conversa com ele. Ou melhor, um monólogo que se dirige a ele (alguém que se foi? um amigo imaginário? um animal de estimação? um objeto? você, leitor?).
Também não sabemos se os outros personagens existem, em meio ao deserto daquela que fala. É a sina dos monólogos, não dá para confiar nessa realidade que sai de uma boca só: charlotte, carmen lúcida, o homem do supermercado, o próprio interlocutor – todos em minúscula – são gente? Ou são recursos da narradora para se fazer gente? Seriam nomes, como as palavras que se agrupam no jogo de stop que ela insiste em brincar sozinha?
A narradora fala para se lembrar de si, para assegurar sua concretude. Não podemos dizer que reconstrói sua história, pois pouco sabemos dela. Amontoa lembranças e fantasias, talvez lembranças inventadas e fantasias compostas por recordações: há o homem perfeito (que usa gravata, sorri, sonha e sabe escutar), amores passados, situações em que a realidade transbordava, onde o corpo se fazia presente e ter um corpo significava ter uma identidade: o sexo, a comida, a bebida, o mal-estar, o vômito. Era isso, ser gente?
Ou era imaginar outra vida, em outro lugar, em outro país: falta pouco, está ali, é só virar a esquina e topar com o novo amor, o sexo selvagem, o estrangeiro, o homem do supermercado, ou aquele outro, de gravata, para trazer a redenção, ou sei lá que nome possa ter. Disso nos fala o cinema, as letras das músicas que cortam a fala da protagonista. É a voz do coro: coisas de fora que formam o que está dentro.
As canções, como os relatos íntimos, também são lembranças e fantasias. Nosso interior não é povoado pela natureza, mas por alimentos ultraprocessados: o amor, a paixão, a felicidade, esses temperos que já vêm prontos. Somos feitos tanto de vísceras, sangue e tecido adiposo quanto de Roberto Carlos e, sim, essas coisas são horríveis se olhadas de perto, mas às vezes não há outro jeito.
Fernando Burjato, novembro de 2022