Descrição
Autora
Thaise Monteiro
Páginas
80
Gênero
Poesia
Formato
Brochura 14×21
ISBN
9786584634879
A Mondru Editora tem o prazer de anunciar o lançamento da segunda edição do livro de poesias “A Casa da Rua 1013”, da renomada poeta Thaise Monteiro. Inicialmente publicado em 2020 como um livro-objeto pela Cia de Arte Poesia que Gira, esta obra agora recebe uma nova edição sob o selo da Mondru Editora.
A casa da rua 1013 é um livro de poemas de memórias todo construído a partir da ideia de casa. A casa como um espaço, a casa como um espaço que se configura a partir daqueles que a habitam, as diferentes casas em que vivemos ao longo da vida, o corpo que habitamos como casa. Todas as etapas de construção desse espaço são visitados, desde o seu projeto de arquitetura até a sua interdição e demolição.
Aos visitantes
Com a certeza da Dona Doida, de Adélia, decidi cozinhar beterrabas para o almoço, fui buscar as beterrabas e estou voltando agora, trinta e três anos depois. Não trouxe as beterrabas, que se perderam no caminho, ficaram na mistura feita por meu pai, beterraba, ovo cru, paçoca e mastruz, coisa de criança magra, ruim pra comer. No quintal encontrei minha mãe, minhas avós e com elas a memória de todas as casas nas quais vivi e vim trazendo tudo, num passo arrastado, vigas, pilares, telhados, esquadrias de janelas que, quando pequena, jamais alcancei. Não houve espaço para o legume na cesta, na trouxa, na lata sobre a cabeça, o peso do vivido nas casas foi tudo o que fui capaz de carregar. Cheguei, trinta e três anos depois e não há chuva, mas trouxe comigo uma umidade que mais parece mofo e que, certamente, não dará aos papeis o peso de tantas águas vividas. Outras águas, talvez turvas do tempo que passou e que se perderiam nos vãos dos dedos das mãos em concha. Coisas insignificantes às quais a eternidade não dá eco. Minhas coisas, coisinhas, as histórias dos meus. Cheguei, trinta e três anos depois, com marido, filha e cães à espera, dois ou três cabelos brancos e sem poder servir as memórias no almoço e sem jamais querer perdê-las de novo, busquei uma caixa onde pudesse guardá-las. Como meter caixa adentro um punhado de escombros de concreto, como guardar a arquitetura das casas e do vivido nelas dentro de uma caixa? Decerto deveria eu mesma meter-me nela, meu corpo, pele, cabelos e unhas. Nos limites do corpo construímos duramente nossa primeira casa. Certa vez disse em versos: “Escrever uma pequena caixa dentro da qual retangularmente me contorço e gemo por que tudo é aperto”. Só a palavra é capaz de dar cabo do árduo trabalho de fazer caber. Mas como? De que maneira? Com quais palavras? Escreva, escreva, escreva todos os dias, disseram. Hesitei e briguei comigo mesma em busca das melhores palavras que pudessem agradar àqueles que um dia pudessem vir a encontrar a tal caixa. Não quis parir, este ato inevitável quando a vida se dá por pronta, cruzei as pernas e adoeci, carregando dentro de mim, já sem nenhum líquido, uma ânsia maior que qualquer útero. A voz sábia da medicina, afiada como a lâmina de um bisturi trouxe a cura. É pra parir, parir o bebê sujo para depois limpá-lo, vesti-lo com as melhores roupas. E foi rasgando peles e carnes, com as mãos ainda sujas de sangue, que ergui esta casa, uma casa dentro de uma caixa que não se pode habitar se não por palavras. Convido caras e caros visitantes a entrar, puxar uma cadeira e sentar, no tempo estreito entre o ouvir contar passo um café, fique à vontade, a casa, agora, é sua.