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Sob o Sol Dessa Terra

Autor(a): Mário Moreira
SKU: 978-65-84634-71-8-1

R$64,90

Sob o Sol Dessa Terra

“Sob o Sol Dessa Terra” é uma obra que traz consigo parte do encanto do povo nordestino. Cada conto é uma janela para a vida sertaneja, em que o leitor pode vislumbrar os cenários e as emoções que permeiam a rotina dos protagonistas. Os contos retratam personagens que enfrentam suas próprias desventuras, desde a seca impiedosa, amores impossíveis, até as tradições arraigadas que permeiam o sertão revelando suas motivações e anseios, lutas e triunfos. Os protagonistas são pessoas comuns, inseridas em um mundo árduo e desafiador, são mulheres e homens que sonham por liberdade, respeito e grandeza.
Entre as tantas histórias, conheceremos “Filipa”, personagem que sonha em ser professora, mas vê-se presa a uma vida de dona de casa sob os caprichos do marido; o violento “Benedito” cuja única vontade é ser igual ou melhor que o cangaceiro Lampião; e a apaixonada “Marisa”, moça rica, que ao se apaixonar por um pobre roceiro, enfrenta o pai para viver seu grande amor.
A leitura de “Sob o Sol Dessa Terra” convida o leitor para um lugar repleto de tradições e mistérios, onde a vida é dura, mas a resiliência dos personagens pode ser inspiradora.

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Categoria:

Descrição

Autor

Mário Moreira

Páginas

144

Gênero

contos

Formato

Brochura 14×21

ISBN

9786584634893

 

“Sob o Sol Dessa Terra” é uma obra que traz consigo parte do encanto do povo nordestino. Cada conto é uma janela para a vida sertaneja, em que o leitor pode vislumbrar os cenários e as emoções que permeiam a rotina dos protagonistas. Os contos retratam personagens que enfrentam suas próprias desventuras, desde a seca impiedosa, amores impossíveis, até as tradições arraigadas que permeiam o sertão revelando suas motivações e anseios, lutas e triunfos. Os protagonistas são pessoas comuns, inseridas em um mundo árduo e desafiador, são mulheres e homens que sonham por liberdade, respeito e grandeza.
Entre as tantas histórias, conheceremos “Filipa”, personagem que sonha em ser professora, mas vê-se presa a uma vida de dona de casa sob os caprichos do marido; o violento “Benedito” cuja única vontade é ser igual ou melhor que o cangaceiro Lampião; e a apaixonada “Marisa”, moça rica, que ao se apaixonar por um pobre roceiro, enfrenta o pai para viver seu grande amor.
A leitura de “Sob o Céu do Sertão” convida o leitor para um lugar repleto de tradições e mistérios, onde a vida é dura, mas a resiliência dos personagens pode ser inspiradora.

 

JUVÊNCIO

— Tu tem que pará de caçá briga, Juvêncio.
— Num te perguntei nada.
— Um dia tu ainda vai acabá na pior.
— Vixe, cala tua boca, muié… eu pedi tua opinião?
— Todo dia tu briga com alguém.
— Se tu dissé mais arguma coisa, eu vô te dá a mão pela cara.
Juvêncio era homem brabo. Não tinha semelhante. Não levava desaforo pra casa, não ouvia reclamação de mulher; se ela insistisse, ele dava um monte de tapa e ela se calava. Era homem valente. A esposa vivia sofrendo, muitas vezes tinha que ir ao bar apartar briga. Outras vezes corria desesperada pela feira para acalmar Juvêncio que queria matar alguém. Não era fácil lidar com aquela peste.
— Vamo simbora, Juvêncio. Tá todo mundo na fêra olhano pra gente.
— Eu quero que vá todo mundo pro inferno. Num devo um tostão a ninguém.
— Se acalme, homi. Largue de brutalidade.
— Tu fica quéta, muié. Só saio daqui se o diabo vié me tirá.
— Num diga uma coisa dessa!
— Falo o que quisé. Agora vá pegá tua fêra e vá simbora pra casa.
— Só saio daqui com tu.
— Se tu num for, eu vô te arrastá pelos cabelo.
O povo de Caçuá tinha medo de Juvêncio. A peixeira sempre amolada vivia na cintura. Ninguém queria criar confusão, mas o próprio Juvêncio tinha o capeta no corpo, o sangue fervia para achar contenda. Já tinha dado uma facada em Seu Zé da padaria, homem direito. Deu uns tapas em Manoelito dono do bar. Quis brigar com Dona Jacira e os filhos dela. A cidade inteira odiava Juvêncio, era um desassossego só.
Mas ele era homem valente. Não tinha outro igual.
— Tô de saída, muié.
— Pra onde é que tu vai a essa hora, homi? Tu nem comeu ainda.
— Vô andá com o capeta.
— Num diga uma brasfêmia dessa, Juvêncio. – Fez o sinal da cruz. – Tu num tem medo do que tu fala, não?
— Oxe, e eu sou homi de ter medo? Minha pexêra tá sempre afiada. Quem quisé que tenha medo de mim.
— De noite vou na missa rezá por tu. É dia de São José.
— Reze por tu, eu me cuido sozinho.
O valente Juvêncio só tinha ódio na alma, as preces da esposa nem resolviam uma gota sequer. O homem não tinha respeito por nada nem por ninguém. Não guardava a Semana Santa nem a Páscoa, brigava nas festas de Nossa Senhora e de Santo Antônio. No Natal, as blasfêmias que soltava se ouviam até da igreja.
Porém, a brabeza de Juvêncio pouco minguava. Só restava à sua pobre mulher rezar.
Filho ele não tinha e nem queria; criança era uma praga que só vinha ao mundo pra dar gasto. O filho dele era a faca amolada presa na cintura dia e noite, jamais se apartava. Com ela botava medo nos homens frouxos da cidade. O capeta lhe protegia, o diabo lhe guiava; dizia isso para todo mundo ouvir. A esposa estremecia de medo só de escutar tamanho sacrilégio, por isso rezava muito.
— Ô, Juvêncio, tu já foi brigá de novo?
— Eu tive que dá uns tapa naquele fí de corno.
— Mas o rapaz é decente, nem queria brigá com tu.
— Tu sabe de nada, muié. Em briga de homi tu num tem que se metê.
— Uma hora dessas tu vai morrê. Tem piedade de tu.
— Tenho medo da morte não. Tu cala a boca e vai prepará a comida.
E Juvêncio era a tristeza da mulher e o desespero da cidade. Aquele dali não tinha mais salvação, nem toda reza que se fazia podia ajudar. Porém, ele era cabra macho, ninguém valia mais do que ele mesmo.
Sua paixão era caçar; perseguir até dar cabo do bicho que queria. A espingarda estava na mão, a peixeira guardada na cintura. Quando se embrenhava pelo mato, os preás conheciam suas pisadas, os tatus se enrolavam silenciosos, os veados-catingueiros desistiam de buscar comida.
— Hoje é dia santo, marido… é mió se resguardá em casa.
— Tu me dêxa fazê as coisa que quero, muié! – resmungou.
— É pecado matá os bicho dia de hoje.
— Lá vem tu com tua pantunia. Os bicho que se aprume porque, pecado ou não, hoje vou dá chumbo neles.
Escancarou a porta de casa murmurando e xingando. A peste da mulher só prestava para dar palpite, aperrear sua cabeça e rezar o terço. Maldita hora que foi se casar.
— Ela que vá pro diabo – praguejava.
E lá foi ele pra caatinga. Com passadas macias e tinhosas no chão de terra seca, aprumou os olhos em qualquer balançar de galho. Aqui e acolá um tiziu mirrado gracejava com um carcará mal-humorado pulando entre aroeiras e mandacarus, nada mais.
Os bichos tinham sumido. Nem um só tiro havia dado; os dedos coçavam para acertar a bala em qualquer coisa, a peixeira não via a hora de arrancar um couro. O sol do sertão queimava. Os grilos e cigarras faziam barulho infernal no meio do mato.
Juvêncio parou numa encruzilhada. Ouviu um chocalho. No meio do mato algo se mexeu.
— Pois é agora que vô enfiá chumbo. Pensei que esse diabo num ia aparecê.
O chocalho parou. O barulho já estava do outro lado. Juvêncio apontou. Era tão bom de tiro quanto era de peixeira. Os grilos fizeram silêncio. O chocalho estava mais forte, zoando ora aqui, ora acolá.
O mato se mexia. Juvêncio era corajoso, homem igual a ele pouco se achava nesse sertão. Chega estava salivando pra ouvir bala tinindo.
— Cadê que esse diabo num aparece logo pra eu dá uns tiro.
O som do chocalho apareceu. Atrás dele, bem pertinho. Se ajeitou pra puxar o gatilho. Chega deu um sorriso.
— Tu me chamou, Juvêncio?
O homem tremeu. Ficou mudo uns segundos. Mas ele era brabo.
— Oxe, quem é tu?
— Num se faz de besta não, homi. Tu sabe muito bem quem sou eu. Tu vive me chamando.
— Oxe, eu num chamo por ninguém.
— Com esses meus ouvidos escutei tu mesmo falar que tava me esperando.
— Crendospai, eu só chamo por Deus no céu.
— Vixe, tu quer me enganar, é? Agora falando em Deus. – Soltou um sorriso, bateu os cascos no chão levantando poeira, alisou os chifres miúdos. Juvêncio sacudiu.
— Sai de perto de mim, coisa ruim!
— Marminino, agora tu me quer longe? Tu me queria por perto pra dar uns tapas nos homi frouxo da cidade.
— Vai pra longe, capiroto! – Se benzeu.
— É cada pantunia, viu! Tu me chamou na hora de passar a peixeira em Seu Zé da padaria, num foi? Tu me agradeceu quando deu uns sopapos em Seu Manoelito. Se lembra quando tu foi caçar briga com Dona Jacira? Eu tava lá pra te dá coragem.
O bicho suspirou fundo perto do cangote do cabra valente.
— Depois dessa nossa camaradagem, tu me quer longe, Juvêncio?! Assim fico ofendido.
— Vá pro quinto dos inferno, capeta fedorento. – As pernas batiam igual duas cabaças penduradas no telhado.
— Eu acabei de vir de lá, homi. Tô sem pressa. Hoje é dia santo, aí tá todo mundo na cidade também se fazendo de santo. Nem tenho muito o que fazer.
— Rogo a Nosso Sinhor pra tu arredá da minha frente.
— Oxente, cabra, deixe de marmota, tu nem roga a ninguém. Até eu sei o Pai Nosso e a Ave Maria de trás pra frente. Tu num sabe chegar nem no meio de uma reza.
— Num importa, sai de perto de mim, amardiçoado!
— Bora fazer uma aposta?
— Num faço aposta com o capiroto.
— Eu fui teu amigo, homi. Se eu fosse tu, teria mais respeito.
Juvêncio era brigador, mas não ali. Em outros tempos já teria pegado a peixeira e botado uns três frouxos pra correr. Só que naquela encruzilhada o frouxo era Juvêncio.
— Qualé a aposta? – Estava cagado de medo.
— Se tu rezar o Pai Nosso do começo ao fim, eu te deixo ir embora. Maaaas, escute bem, se tu errar uma palavra da reza, eu te carrego comigo, assim num dou viagem perdida.
O homem estremeceu, arrepiou e suou; meia dúzia de asas-brancas escondidas em um pé de baraúna piaram zombeteiras. A aposta era boa, um bom sertanejo tem respeito pelo sol e pela chuva. Sabe ser grato, por isso reza.
— Já que somos amigos e pra mostrar o quanto confio em tu, ainda vou fechar o olho viu, homi? Quero só escutar tua voz.
Juvêncio era afoito, sabia todo tipo de heresia, manejava peixeira como ninguém, era bom de tiro e porrada. Contudo, o desgraçado não sabia nada de rezas: nem Pai Nosso, Ave-Maria ou Salve Rainha. Devia ter ouvido os conselhos da mulher.
Enquanto pensava, o cheiro forte de enxofre saindo do capeta ali perto ardia no nariz do herege.
— Avia, homi! Tu deve saber rezar, deixe de lerdeza.
Juvêncio ficou mudo.
— Nunca vi um cabra sertanejo que num sabe o Pai Nosso. Até Lampião sabia todo tipo de reza. E ele era mais macho que tu.
Juvêncio continuava calado.
— Sabe de uma, já tô agoniado e cansei de ficar olhando pra tua cara abestada. Tu vai é embora comigo porque essa aposta já venci.
Num piscar de olho, botando sebo na canela igual cavalo brabo na capoeira, o cabra macho correu. Saiu em disparada pelo meio do mato, se batendo em tudo que era espinho. A espingarda ficou na encruzilhada, a peixeira perdeu no mato. Correu dois dias inteiros em pleno sertão, o chocalho e a risada do capeta iam atrás.
Juvêncio, que era brabo, ficou frouxo e doido também. Perdeu uma aposta por causa de uma reza. Ficou aluado vagando pelo mundo, parando em toda capela que via e tentando acertar o Pai Nosso.
Nunca mais botou os pés em casa.
— Aprende a rezá, Juvêncio. Aprende a rezá! – falava pra si mesmo. – Até Lampião sabia mais reza do que tu. Aprende a rezá, homi!

Informação adicional

Peso 210 g
Dimensões 16 × 23 × 5 cm
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